"Começo, meio e começo" é o provável nome do meu próximo trabalho. Um ensaio colagem que coloca em contato o quadrinhista Moebius e a artista Lygia Clark.
A princípio estruturado como
colagem de diferentes textos, fragmentos de escritos de Lygia Clark e de
quadrinhos de Moebius, a produção de Começo, meio e começo não se utilizou do
objeto direto. Começando pela imagem, onde se evidencia esse fato, eu não
recortei, manual ou digitalmente as HQs do autor francês. Ao contrário,
desenhei (ou redesenhei) todas as imagens que eu queria usar. Primeiramente por
um motivo simples: prazer.
É extremamente prazeroso desenhar
as hachuras curtas de Moebius. Como suas formas se encaixam uma na outra, como
as formas são fluidas, mas nunca expansivas demais. Via de regra, bastante
seguras e contidas. Na prática dessa linha, fiquei pensando nas recorrentes
descrições da pintura de Cezanne, artista que “colocava” cada pincelada em seu
lugar, com uma calma e exatidão que montava seu quebra-cabeça pré-cubista de
maneira hipnotizante. Assim é que eu me sentia, colocando a linha no papel,
quase mais do que riscando o papel – que é como tende a ser meu desenho.
Ao mesmo tempo, o exercício
também foi exaustivo. Sem querer copiar rigorosamente, eu não medi, pouco usei
lápis para esboçar – na metade do caminho consegui reunir a coragem de eliminar
completamente o lápis e a borracha do processo, trabalhando diretamente com a
pena – e não voltei atrás quando era perceptível diferenças de posições ou
proporções. Mas, sem querer copiar nesse sentido, eu buscava emular essa forma
de fazer, a gestualidade, o tempo que o resultado final podia entregar sobre o
processo de Moebius, procurei trazer para a minha mão, a grafia apresentada
pelo desenho original. Essa mudança gritante na forma de fazer tornou a ação
rica, mas cansativa, pensada a cada passo, muito intuitiva, mas pouco natural
para o meu corpo. Por vezes me censurei ao perceber que estava alongando as
linhas e já não via ali a marca da linha moebiana que eu queria absorver.
Quando penso na formatividade de
Pareyson, que afirma o fazer como parte essencial da marca do artista na obra,
compreendo também a riqueza de redesenhar, criar esse novo Moebius feito do meu
corpo, da minha anatomia e minha coordenação. Onde esse Moebius-eu chegaria?
Isso tem ligação com o ato de
fazer, incluindo também as escolhas. Desde o início eu estava em um diálogo
Moebius/Clark, isso partiu de uma brincadeira à toa que me prendeu: o
quadrinhista tem o nome da fita da obra da artista. A fita também é geradora do
conceito da obra. Como o quadrinhista poderia carregar o conceito da obra?
Talvez com a obra do quadrinhista sendo colocada em diálogo com a conceituação
da artista? Sem saber onde isso me levaria, comecei a ensaiar.
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