sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Começo, meio e começo

            "Começo, meio e começo" é o provável nome do meu próximo trabalho. Um ensaio colagem que coloca em contato o quadrinhista Moebius e a artista Lygia Clark.



A princípio estruturado como colagem de diferentes textos, fragmentos de escritos de Lygia Clark e de quadrinhos de Moebius, a produção de Começo, meio e começo não se utilizou do objeto direto. Começando pela imagem, onde se evidencia esse fato, eu não recortei, manual ou digitalmente as HQs do autor francês. Ao contrário, desenhei (ou redesenhei) todas as imagens que eu queria usar. Primeiramente por um motivo simples: prazer.

É extremamente prazeroso desenhar as hachuras curtas de Moebius. Como suas formas se encaixam uma na outra, como as formas são fluidas, mas nunca expansivas demais. Via de regra, bastante seguras e contidas. Na prática dessa linha, fiquei pensando nas recorrentes descrições da pintura de Cezanne, artista que “colocava” cada pincelada em seu lugar, com uma calma e exatidão que montava seu quebra-cabeça pré-cubista de maneira hipnotizante. Assim é que eu me sentia, colocando a linha no papel, quase mais do que riscando o papel – que é como tende a ser meu desenho.

Ao mesmo tempo, o exercício também foi exaustivo. Sem querer copiar rigorosamente, eu não medi, pouco usei lápis para esboçar – na metade do caminho consegui reunir a coragem de eliminar completamente o lápis e a borracha do processo, trabalhando diretamente com a pena – e não voltei atrás quando era perceptível diferenças de posições ou proporções. Mas, sem querer copiar nesse sentido, eu buscava emular essa forma de fazer, a gestualidade, o tempo que o resultado final podia entregar sobre o processo de Moebius, procurei trazer para a minha mão, a grafia apresentada pelo desenho original. Essa mudança gritante na forma de fazer tornou a ação rica, mas cansativa, pensada a cada passo, muito intuitiva, mas pouco natural para o meu corpo. Por vezes me censurei ao perceber que estava alongando as linhas e já não via ali a marca da linha moebiana que eu queria absorver.

O prazer que eu procurava ao escolher desenhar e não apenas colar as imagens escolhidas, reforçam a segunda busca: entender os caminhos que esse fazer me abririam. Cada vez mais compreendo que o planejamento holístico prévio não me interessa. O processo se torna cada vez mais claro e mais interessante para mim, quando vai se desvendando na minha frente, testando cada justaposição, mais do que entender e definir previamente o ponto de partida e o de chegada – ao menos não de maneira exata ou rigorosa.

Quando penso na formatividade de Pareyson, que afirma o fazer como parte essencial da marca do artista na obra, compreendo também a riqueza de redesenhar, criar esse novo Moebius feito do meu corpo, da minha anatomia e minha coordenação. Onde esse Moebius-eu chegaria?

Isso tem ligação com o ato de fazer, incluindo também as escolhas. Desde o início eu estava em um diálogo Moebius/Clark, isso partiu de uma brincadeira à toa que me prendeu: o quadrinhista tem o nome da fita da obra da artista. A fita também é geradora do conceito da obra. Como o quadrinhista poderia carregar o conceito da obra? Talvez com a obra do quadrinhista sendo colocada em diálogo com a conceituação da artista? Sem saber onde isso me levaria, comecei a ensaiar.


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